Escrevo sim,
estou sofrendo, tem gente que não sofre e não está vivendo.
Sofro com as
decepções, eu espera que aos vinte e um fosse mudar o mundo. Mas isso eu só
quis mesmo lá pelos dezessete ou dezoito, quando eu percebi que a minha vida
familiar era um caso perdido, nada melhor que tentar viver fora de casa o que
não se tem dentro, não é mesmo?
Realmente,
sete anos atrás esperava ser completamente diferente, bem nessa época meus
planos nada tinham a ver com política, muito menos com feminismo, eles
tilintavam por matemática, história ou mecânica quando eu tinha tempo e ânimo
para assistir Fórmula1. Era tudo muito simples e diferente do hoje. Era banal,
mas nem ali eu deixava de fugir, de uma forma diferente, minha fuga era me
envolver numa falsa simplicidade de pensamento típica das meninas da minha
época.
Eu me
refugiava nessa tal simplicidade para conseguir lidar com meus dilemas pessoais
e familiares, acho que vivi tendo dó de mim, sempre morri de inveja daquelas
famílias de propaganda de margarina, ou da família das minhas colegas. Sempre fui
rejeitada por todos os garotos que pensava que eu gostava, estava sempre
gostando de alguém, buscando alguém que gostasse de mim, que me amasse e que me
protege-se. Missão impossível, de tantas rejeições resolvi me abster e tentar
ser assexuada o máximo que eu poderia conseguir, quando não conseguia, fazia o possível
e impossível para ser platônico e isso deu certo na adolescência, sempre gostei
de caras que tinham tudo para dar errado, era meu pretexto para nunca seguir em
frente.
No período
do ensino fundamental era mais simples me enfiar no quarto ou na biblioteca
estudando, passar as tardes inteiras jogando futebol ou vôlei. Quantas vezes eu
me fechava para estudar, só saía para jantar ou nem saía e depois sozinha no
quarto não querendo ouvir as brigas eu abafava meu choro, mesmo porque nada
daquilo que eu chorasse ia mudar aquelas situações. Fossem elas quando eu
tivesse cinco, dez ou doze anos. Era o que eu pensava.
Da adolescência
eu só lembro que eu escrevia testamentos e cartas de despedida para ver se os
meus pais lembravam que eu estava ali, lembro que eu bebia e fumava para ver se
eles me enxergavam, minha mãe acabava achando natural, coisas de adolescente
dizia ela, eu me achava a pessoa mais fraca do mundo por ainda estar viva. Meu
pai de longe sempre tapou o sol com a peneira, desde a minha infância era uma
criatura frigida, que poucos sorrisos me trouxe, a farda sempre fez dele o mais
forte e gelado pai que a minha infância possa me mostrar. Na pré-adolescência e
na adolescência me lembro mais de brigar com ele por telefone quando estava de saco
cheio de uma relação superficial de raros finais de semana, telefonemas, ou
entregas de notas.
Da quinta
séria em diante fui o demônio das professoras, mais do que antes, mas entre a
sétima e a oitava série devo ter frequentado no mínimo cinco vezes a sala da
direção, tinha crises mexicanas e choro e momentos jesabelicos de ira. Claro que
sempre chamavam meu pai ou mandavam bilhetes para a mãe. Ou apanhava, ou ficava
de castigo de joelhos com o nariz encostado na parede, contudo em primeiro
lugar um sermão chatíssimo, nunca terminado com “faço isso porque te amo”,
sempre terminado com “só tenho o estudo para te deixar”. Eu era estranha, ao
mesmo tempo em que era um problema, eu escrevia, recitava poemas, cantava, desenhava,
dançava, montava coreografias e era uma aluna nota máxima. Acho que até hoje as
pessoas daquela escola não devem entender.
Hoje eu olho
para traz e compreendo aquela adolescente. Era meu jeito de dizer estou com
medo, não me sinto amada, estou sozinha, me ajudem. Ninguém entendeu e eu tive
que me criar sozinha, aprender a limpar minhas lágrimas com as minhas mãos, a
fazer meus curativos e seguir em frente, afinal ninguém vai resolver nossos
problemas por nós. No fim somos como nascemos, choramos nús quando percebemos
que estamos no mundo.
Recordo que
lá pelos oito ou nove anos, pai e mãe ainda casados, só o via em situações que
envolvessem o trabalho dele, peguei nojo da tal farda, principalmente depois do
divorcio, eu deveria ter uns dez anos e cinco ou seis meses quando o inferno
parecia acabar. É doido ainda pensar na foto da outra filha no berço vestida
com a farda dele, preservo até hoje uma vontade
de morrer se penso nisso, justo pela tal farda deixei de ir em uma festa da invernada,
depois do divorcio minha mãe não queria nada que envolvesse figura paterna, muito
menos me ver vestida de pai, por um lado até foi bom, não tive que passar pelo
trauma dele não aparecer mais uma vez. Foi difícil passar anos anteriores ao
divorcio dando a desculpa para as minhas professoras que o motivo do meu pai
não aparecer na escola era o trabalho dele.
Eu tinha a
ilusão que o inferno tinha acabado ali, mas foi depois disso que perdi minha
melhor amiga. Fui abandonando meus sonhos, a dança, a declamação, o futebol, a
matemática, segui cortando os cabelos, pintando e me enchendo de piercings. Foi
deixando das coisas que ela gostava para chamar a atenção e deixando do que eu
gostava para agradar que abri as portas para a vida me arrebentar e me tornar
isso que sou. Com o passar dos anos, dos namorados dela, dos enteados dela, dos
meus dias sozinha, das vezes que cruzei com um cara diferente saindo do quarto
dela de madrugada, das minhas crises, das nossas brigas, do meu sentimento de
abando que nos perdemos. Nos distanciamos da forma mais horrível possível,
nossos erros, nossas incompreensões, algumas inversões de papel, a crise
financeira, as minhas rejeições, ela não ir na minha formatura do nível médio,
minha vontade de matar ou morrer.
Aos vinte
anos me vi novamente como vim ao mundo, nua e chorando, cheia de roupas, mas
despida por dentro, em carne viva. Mas aí já é outra história. Porque dois mil
e quatorze merece um texto especial, por hoje eu só precisava desabafar. Por hora
basta saber que estou tentando ter uma relação com o meu pai, bom acho que
ambos estamos tentando. E quanto a minha mãe, também estamos tentando. Ou eu
tento ou me arrebento, não é mesmo? A gente sempre se arrebenta de qualquer
forma, por culpa dos outros ou nossa.
Sempre acabamos
de alguma forma despid@s e chorando.
Laila
Naymaer (9 de fevereiro de 2015. 2h26min).
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