domingo, 8 de fevereiro de 2015

Por hoje eu só precisava desabafar

Escrevo sim, estou sofrendo, tem gente que não sofre e não está vivendo.
Sofro com as decepções, eu espera que aos vinte e um fosse mudar o mundo. Mas isso eu só quis mesmo lá pelos dezessete ou dezoito, quando eu percebi que a minha vida familiar era um caso perdido, nada melhor que tentar viver fora de casa o que não se tem dentro, não é mesmo?
Realmente, sete anos atrás esperava ser completamente diferente, bem nessa época meus planos nada tinham a ver com política, muito menos com feminismo, eles tilintavam por matemática, história ou mecânica quando eu tinha tempo e ânimo para assistir Fórmula1. Era tudo muito simples e diferente do hoje. Era banal, mas nem ali eu deixava de fugir, de uma forma diferente, minha fuga era me envolver numa falsa simplicidade de pensamento típica das meninas da minha época.
Eu me refugiava nessa tal simplicidade para conseguir lidar com meus dilemas pessoais e familiares, acho que vivi tendo dó de mim, sempre morri de inveja daquelas famílias de propaganda de margarina, ou da família das minhas colegas. Sempre fui rejeitada por todos os garotos que pensava que eu gostava, estava sempre gostando de alguém, buscando alguém que gostasse de mim, que me amasse e que me protege-se. Missão impossível, de tantas rejeições resolvi me abster e tentar ser assexuada o máximo que eu poderia conseguir, quando não conseguia, fazia o possível e impossível para ser platônico e isso deu certo na adolescência, sempre gostei de caras que tinham tudo para dar errado, era meu pretexto para nunca seguir em frente.
No período do ensino fundamental era mais simples me enfiar no quarto ou na biblioteca estudando, passar as tardes inteiras jogando futebol ou vôlei. Quantas vezes eu me fechava para estudar, só saía para jantar ou nem saía e depois sozinha no quarto não querendo ouvir as brigas eu abafava meu choro, mesmo porque nada daquilo que eu chorasse ia mudar aquelas situações. Fossem elas quando eu tivesse cinco, dez ou doze anos. Era o que eu pensava.
Da adolescência eu só lembro que eu escrevia testamentos e cartas de despedida para ver se os meus pais lembravam que eu estava ali, lembro que eu bebia e fumava para ver se eles me enxergavam, minha mãe acabava achando natural, coisas de adolescente dizia ela, eu me achava a pessoa mais fraca do mundo por ainda estar viva. Meu pai de longe sempre tapou o sol com a peneira, desde a minha infância era uma criatura frigida, que poucos sorrisos me trouxe, a farda sempre fez dele o mais forte e gelado pai que a minha infância possa me mostrar. Na pré-adolescência e na adolescência me lembro mais de brigar com ele por telefone quando estava de saco cheio de uma relação superficial de raros finais de semana, telefonemas, ou entregas de notas.
Da quinta séria em diante fui o demônio das professoras, mais do que antes, mas entre a sétima e a oitava série devo ter frequentado no mínimo cinco vezes a sala da direção, tinha crises mexicanas e choro e momentos jesabelicos de ira. Claro que sempre chamavam meu pai ou mandavam bilhetes para a mãe. Ou apanhava, ou ficava de castigo de joelhos com o nariz encostado na parede, contudo em primeiro lugar um sermão chatíssimo, nunca terminado com “faço isso porque te amo”, sempre terminado com “só tenho o estudo para te deixar”. Eu era estranha, ao mesmo tempo em que era um problema, eu escrevia, recitava poemas, cantava, desenhava, dançava, montava coreografias e era uma aluna nota máxima. Acho que até hoje as pessoas daquela escola não devem entender.
Hoje eu olho para traz e compreendo aquela adolescente. Era meu jeito de dizer estou com medo, não me sinto amada, estou sozinha, me ajudem. Ninguém entendeu e eu tive que me criar sozinha, aprender a limpar minhas lágrimas com as minhas mãos, a fazer meus curativos e seguir em frente, afinal ninguém vai resolver nossos problemas por nós. No fim somos como nascemos, choramos nús quando percebemos que estamos no mundo.
Recordo que lá pelos oito ou nove anos, pai e mãe ainda casados, só o via em situações que envolvessem o trabalho dele, peguei nojo da tal farda, principalmente depois do divorcio, eu deveria ter uns dez anos e cinco ou seis meses quando o inferno parecia acabar. É doido ainda pensar na foto da outra filha no berço vestida com a farda dele, preservo  até hoje uma vontade de morrer se penso nisso, justo pela tal farda deixei de ir em uma festa da invernada, depois do divorcio minha mãe não queria nada que envolvesse figura paterna, muito menos me ver vestida de pai, por um lado até foi bom, não tive que passar pelo trauma dele não aparecer mais uma vez. Foi difícil passar anos anteriores ao divorcio dando a desculpa para as minhas professoras que o motivo do meu pai não aparecer na escola era o trabalho dele.
Eu tinha a ilusão que o inferno tinha acabado ali, mas foi depois disso que perdi minha melhor amiga. Fui abandonando meus sonhos, a dança, a declamação, o futebol, a matemática, segui cortando os cabelos, pintando e me enchendo de piercings. Foi deixando das coisas que ela gostava para chamar a atenção e deixando do que eu gostava para agradar que abri as portas para a vida me arrebentar e me tornar isso que sou. Com o passar dos anos, dos namorados dela, dos enteados dela, dos meus dias sozinha, das vezes que cruzei com um cara diferente saindo do quarto dela de madrugada, das minhas crises, das nossas brigas, do meu sentimento de abando que nos perdemos. Nos distanciamos da forma mais horrível possível, nossos erros, nossas incompreensões, algumas inversões de papel, a crise financeira, as minhas rejeições, ela não ir na minha formatura do nível médio, minha vontade de matar ou morrer.
Aos vinte anos me vi novamente como vim ao mundo, nua e chorando, cheia de roupas, mas despida por dentro, em carne viva. Mas aí já é outra história. Porque dois mil e quatorze merece um texto especial, por hoje eu só precisava desabafar. Por hora basta saber que estou tentando ter uma relação com o meu pai, bom acho que ambos estamos tentando. E quanto a minha mãe, também estamos tentando. Ou eu tento ou me arrebento, não é mesmo? A gente sempre se arrebenta de qualquer forma, por culpa dos outros ou nossa.
Sempre acabamos de alguma forma despid@s e chorando.


Laila Naymaer (9 de fevereiro de 2015. 2h26min). 


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